Açaí: como a fruta que salvou os índios da fome conquistou o mundo

Açaí: como a fruta que salvou os índios da fome conquistou o mundo

Simone Machado

Colaboração para Nossa

06/06/2021 04h00

 

Você já imaginou comer açaí com camarão, peixe frito ou com farinha de mandioca? A mistura que parece diferente é o jeito mais “raiz” de consumir a fruta que nos últimos anos se tornou queridinha em todo o Brasil. Muito antes das combinações com granola, frutas, chocolates e os mais variados tipos de doces, o açaí já era muito consumido no Norte do país, substituindo até mesmo o arroz com feijão. Esse hábito é fácil de explicar: barato e nutritivo, o açaí com esse tipo de acompanhamento é fonte de energia e oferece carboidrato e proteína para aguentar os afazeres do dia. Com quase 500 calorias, a tigela de açaí com farinha está presente diariamente em mais da metade (60%) das mesas dos moradores do Pará.

 

A fruta pequena, que se assemelha a um caroço, é dura e difícil de mastigar. Por isso, o consumo é em pasta ou líquido. Porém, ao contrário do que muita gente pensa, açaí não é tudo igual e é encontrado em três tipos diferentes de concentração.

Açaí especial: mais denso, apresenta acima de 14% de sólidos totais, ou seja 14% de polpa;

Açaí médio: apresenta de 11 a 14% de sólidos totais. É denso, mas nem tanto como o especial;

Açaí fino: tem de 8 a 11% de sólidos totais e é pouco denso.

 

“Mix” de açaí

Se você mora fora da região Norte, dificilmente consome um desses três tipos listados acima. Isso porque, quando colhido, o açaí deve ser consumido rapidamente. Para ter essência, sabor, cor e cheiro preservados, o fruto tem que ser batido com água em até 24 horas — após 72 horas da colheita, a fruta começa a oxidar. Por isso, geralmente, o açaí vendido em shoppings, supermercados e lojas consiste numa mistura industrial com xarope de guaraná e aditivos (o “mix”) para chegar na textura cremosa, que se assemelha ao sorvete. A polpa passou a ser congelada e misturada a outros ingredientes com a intenção de aumentar a durabilidade. Assim, pôde se espalhar pelo país e pelo mundo.

 

Açaí pelo mundo

Mais de um milhão de toneladas de açaí é produzido anualmente, sendo 95% no Pará. O restante da produção se concentra no Amapá e no Amazonas. A título de comparação, no início de 2000, antes do hábito de consumir açaí se espalhar, a produção era de 120 toneladas. O Pará continua a ser o estado mais apaixonado por açaí: cerca de 60% de toda a produção fica por lá, enquanto 30% é distribuído nas demais localidades do Brasil e 10% é destinado à exportação. Entre os países que importam a iguaria, Estados Unidos se destaca, consumindo 77% de toda a produção exportada, seguido da Austrália, do Japão e de países da Europa. 95% do açaí consumido em todo o mundo vem do Pará.” O seu cultivo é feito, principalmente, em áreas de várzeas — florestas que são inundadas pela maré alta. Devido à explosão de consumo, porém, o fruto passou a ser produzido também em floresta de terra seca.

 

Formas de consumo do açaí

No Norte do país, o açaí ocupa papel principal em refeições como almoço ou jantar, no lugar do arroz e feijão. Comumente, é consumido gelado, misturado com farinha de mandioca ou tapioca. Por integrar uma das principais refeições do dia, também é consumido como acompanhamento de pratos típicos da região como peixes e camarões, ou em forma de suco. Já no Centro-Oeste, Sudeste e Sul, o açaí chega em sua versão polpa industrializada. Nesses locais, e também fora do Brasil, a popularização do açaí se deu, em parte, graças às propriedades nutricionais do fruto. Rico em potássio e ferro, que previnem anemia e fortalecem os músculos, o açaí tornou-se, também, alimento “pré-treino”, acompanhado de granolas e frutas, e como sobremesa. Hoje suas calorias também são valorizadas por quem não aderiu à vida “fit” e aí criatividade é o que não falta: ganha o acompanhamento de chocolates, amendoins, bolachas recheadas, balas, cremes e os mais variados tipos de doces.

 

Lenda do açaí

Mas você sabe como surgiu o açaí? Segundo a lenda, em uma tribo indígena que vivia onde hoje é a cidade de Belém a população crescia muito rápido e a oferta de comida começou a ser insuficiente. Para evitar a fome em seu povo, o cacique ordenou que todos os bebês fossem mortos logo após o nascimento. Sua filha, Iaçã, estava grávida, e seu bebê também não foi poupado: logo depois do nascimento a menina foi sacrificada. Iaçã ficou desolada e pediu ao deus Tupã que lhe apontasse uma maneira de salvar seu povo, acabasse com a fome e com o sofrimento da tribo. À noite, ela ouviu o choro de sua filha que lhe apareceu em uma visão e a conduziu até a floresta. Na manhã seguinte, Iaçã foi encontrada morta embaixo de uma palmeira, carregada com pequenos frutos pretos que balançavam nos galhos da árvore. Foi a partir daí que os índios passaram a se sustentar do suco feito com a fruta e acabou a fome na tribo. O nome açaí nada mais é do que o nome da índia Iaçã ao contrário. Fontes: Hervé Rogez, especialista em açaí, pesquisador e diretor do Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia, da Universidade Federal do Pará (UFPA), e Flávio Souza, chef de cozinha e barista apaixonado pela alimentação do Norte do país.

 

FONTE: www.uol.com.br/nossa