Afinal, por que o sorvete derrete?

Afinal, por que o sorvete derrete?

VÁRIOS AUTORES

 

sorvete de base láctea é um derivado do leite mundialmente consumido e apreciado, classificado como gelado comestível, que se apresenta sob diferentes formas e sabores. Entretanto, um dos principais defeitos em sorvetes é uma alta taxa de derretimento. Afinal, não é agradável que o produto se derreta enquanto nos deliciamos!

Quimicamente, podemos classificar o sorvete como um sistema coloidal, caracterizado por conter uma fase contínua (formada por uma solução concentrada de água não congelada e ingredientes solúveis, como lactose, edulcorantes, sais e vitaminas hidrossolúveis) e várias fases dispersas, como dispersão de proteínasgordura em emulsão; gordura cristalina; cristais de gelo; bolhas de ar e, em alguns casos, cristais de lactose (que são identificados como defeitos) (Figura 1). Sua composição básica utiliza como ingredientes a gordura láctea e/ou vegetal, sólidos não gordurosos do leite, emulsificantes, edulcorantes e estabilizantes (BUENO et al., 2017).

A boa retenção da forma do sorvete, assim como a sua menor taxa de derretimento iniciam-se desde a formulação e, também, levam em consideração as etapas de processamento. Portanto, uma formulação bem equilibrada é essencial para evitar o defeito.

A gordura do leite é muito importante para a estabilidade e estrutura do sorvete, porque atua principalmente na incorporação e estabilização das bolhas de ar. À medida que a calda é congelada, a gordura também se cristaliza, porém, devido a sua composição com uma ampla faixa de fusão, há uma combinação de glóbulos de gorduras líquidas e cristalizadas, permitindo a coalescência parcial (GOFF,1997).

Estes glóbulos unidos pela coalescência parcial entram em contato com a superfície das bolhas de ar, juntamente com as proteínas do leite, e promovem estabilidade das bolhas contra a coalescência (Figura 2).

O tamanho dos glóbulos também influencia na estabilidade, de tal forma que, glóbulos pequenos possuem maior superfície de contato com a interface da fase gasosa, promovendo maior estabilidade, diminuindo a velocidade do derretimento do sorvete e a percepção sensorial da gordura (CLARKE, 2004; GRANGER et al., 2004).

Além disso, o aumento do número de glóbulos diminui o tamanho dos cristais de gelo, reduzindo sua percepção sensorial. Portanto, o ideal são muitos glóbulos de tamanhos reduzidos, o que evidencia a importância da etapa de homogeneização no processamento de sorvete.

Os sólidos não gordurosos do leite são compostos por micelas de caseína, lactose, proteínas do soro, minerais, vitaminas, ácidos, enzimas e outros componentes. A utilização destes compostos na elaboração do sorvete auxilia na estabilização da calda, promove cremosidade, melhora a incorporação de ar e também tem papel relevante na resistência ao derretimento.

Em destaque, as proteínas possuem alta capacidade de interação com moléculas de água, promovendo aumento da viscosidade do sistema, melhorando as características de derretimento e melhor controle do crescimento dos cristais de gelo (BUENO et al., 2017; CARGILL, 2010).

Os emulsificantes são substâncias que vão auxiliar na modificação das propriedades das interfaces, pois atuam na diminuição da tensão interfacial, promovendo consequentemente, estabilidade e maior dispersão das fases. A promoção da estabilidade é atribuída pela barreira energética formada pela película de emulsificante sobre os glóbulos de gordura, permitindo o melhor controle de sua coalescência parcial (TIMM, 1989).

A utilização de açúcares na formulação do sorvete promove a redução do ponto de congelamento, controlando a relação entre temperatura e dureza, tornando o produto mais macio durante o armazenamento. Além disso, oferecem sabor, dulçor, aumento de sólidos e promovem produtos mais viscosos (KATO, 2002), o que também reduz a taxa de derretimento.

Outro ingrediente utilizado na formulação do sorvete que auxilia na sua estabilidade são os estabilizantes. Esses compostos ligam-se à água, limitando a sua movimentação, conferindo aumento da viscosidade, mas sem alterar o ponto de congelamento. Estes ingredientes são eficazes em minimizar os efeitos da flutuação da temperatura sobre o produto.

O mecanismo de ação é descrito pela absorção da água por ligações de hidrogênio, alterando a reologia do sistema, podendo formar complexo com as caseínas, elevando a estabilidade e a viscosidade do produto (BUENO et al., 2017). A partir do conhecimento da formulação do sorvete e as funções dos ingredientes utilizados, podemos compreender como ocorre o processo de derretimento e defeitos ocorridos neste produto.

O processo de derretimento se inicia com o aumento da temperatura, diminuindo a formação de cristais de gelo. Ao fornecer energia em forma de calor ao sorvete, ocorre o aumento da energia interna das moléculas, permitindo que essas moléculas rotacionem, vibrem e translacionem.

Esta energia é tão alta que, o arranjo tridimensional dos cristais de gelo é destruído, e as moléculas passam a movimentar-se livremente, iniciando o processo de derretimento do sorvete. Entretanto, o simples derretimento de parte dos cristais de gelo, causado pelo aumento da temperatura, não é suficiente para que a estrutura do sorvete entre em colapso e se desfaça.

O processo de derretimento do sorvete pode demonstrar informações sobre a formulação do produto e de seu processamento. Os defeitos do sorvete relacionados ao derretimento envolvem a velocidade de derretimento, podendo ser de forma muito rápida ou muito lenta. Em adição, podem apresentar coágulos, separação do soro ou até mesmo o não derretimento.

A velocidade de derretimento do sorvete está relacionada com o seu grau de retenção. A baixa retenção da forma do sorvete está associada à sua formulação, podendo ser causada por glóbulos grandes de gordura, formados por reagrupamento da gordura durante o congelamento devido à ausência de emulsificantes, o que reduz a resistência ao derretimento.

Pode ser relativa também ao seu baixo teor de sólidos, que conferem aumento da viscosidade do sorvete, e no caso das proteínas, além das propriedades de corpo, conferem maior estabilidade o sorvete. Já a alta retenção, ou mesmo a falta de derretimento está relacionada com alta concentração de sólidos, gordura, emulsificação alta ou inadequada e ingredientes que formem géis (THARP’S FOOD TECHNOLOGY, 2008).

Outro parâmetro que pode influenciar na velocidade do derretimento está relacionado ao seu processamento. Durante a operação de congelamento são incorporadas bolhas de ar na calda do sorvete, processo denominado de overrun. As bolhas de ar, más condutoras de energia na forma de calor, são estabilizadas pelos glóbulos de gordura, que evitam a sua coalescência e formam uma barreira ao calor, protegendo os cristais de gelo e reduzindo a velocidade do derretimento.

Deste modo, recomenda-se que a quantidade máxima de overrun deve estar entre 2,5 a 3 vezes a quantidade de sólidos totais do sorvete para que não ocorra efeitos deletérios no produto (GOFF; HARTEL, 2003; CLARKE, 2004).

O processo de derretimento também pode apresentar coágulos. Neste caso, é um defeito onde são encontradas proteínas coaguladas, originárias da alta acidez do leite utilizado ou pelo desequilíbrio salino.

A alta pressão utilizada no processo de homogeneização ou supercongelamento também podem conferir aspecto coagulado durante o derretimento pelo aparecimento de partículas de gordura. A separação do soro (wheying off) no sorvete se refere à liberação do soro do restante do produto derretido.

É causado pelos mesmos fatores do derretimento que provoca coágulos, com adição da incompatibilidade da utilização de alguns estabilizantes que impedem a ligação do hidrocoloide ou proteína com a água, promovendo a separação de fase (BUENO et al., 2017).

Em conclusão, a escolha de ingredientes compatíveis e de qualidadeprocessados de maneira adequada, promove o derretimento ideal

 

Referências

BUENO, et al. Sorvete. In: Cruz A. G. Processamento de lácteos: queijos, leites fermentados, bebidas lácteas, sorvete, manteiga creme de leite, doce de leite, soro em pó e lácteos funcionais. Coleção Lácteos. Elsevier Brasil, 2017.

CARGILL. Tecnologia de aplicação de ingredientes para sorvetes. Sorvetes e casquinhas, 2010.

CLARKE, C. The Science of Ice Cream. The Royal Society of Chemistry, Cambridge, 2004.

GOFF, H. D. Colloidal aspects of ice cream: a review. International Dairy Journal, v. 7, n. 6-7, p. 363-373, 1997.

GRANGER, C. et al. Influence of formulation on the structural networks in ice cream. International Dairy Journal, v. 15, n. 3, p. 255-262, 2005.

GOFF, H. D.; HARTEL, R. W. Ice cream. Springer Science & Business Media, 2013.

KATO, N. M. Propriedades tecnológicas de formulações de sorvete contendo concentrado protéico de soro (CPS). Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.

THARP’S FOOD TECHNOLOGY. Endurecimento do sorvete causas e prevenção. Sorvetes e casquinhas, 2008.

TIMM, F. Fabricacion de helados. Zaragoza: Acribia, 1989. 304p.

 

FONTE: MilkPoint (https://www.milkpoint.com.br/colunas/thermaufv/afinal-por-que-o-sorvete-derrete-226811/)